Eram seis da manhã e aquela
terça-feira parecia estar especialmente fria e chuvosa. Deitada na cama, onde
estava, podia escutar os carros que passavam pela rua em ritmo lento por
conta da água. Subitamente sentindo mais sono, a garota virou-se para o lado e
fechou os olhos novamente. Ficou ali por um tempo, mas não conseguiria dormir
nem se tentasse então apenas levantou e pôs-se a se arrumar para o longo dia
que teria na escola.
°
Algo notável °
Um
pequeno pacote que ela guardou na mochila antes de sair.
O nome da garota era
Lis, e nada mais. Era bastante alta, apesar de ser ainda uma criança – ou pelo
menos assim se considerava –, morena e de olhos castanhos bastante escuros.
Gostava do próprio tom de pele, mas ainda assim nunca se achou muito bonita, embora isso não venha ao caso no instante. Mesmo chovendo (ou seria em virtude de estar chovendo?), Lis saiu de casa contente. Quem a visse passar provavelmente não
repararia no sorriso maroto escondido atrás do guarda-chuva.
Logo a menina chegou ao
colégio. Diferentemente dos outros dias, hoje parou e observou o prédio.
Nada tinha de especial, assim como as pessoas que nele estudavam, mas ainda
assim para ela tinha algum significado. Foi ali onde conhecera seu único amigo.
°
Uma visão bonita °
Um
garoto lendo um livro e uma garota sorrindo.
Sem hesitar, Lis entrou
no colégio e fechou o guarda-chuva, sacudindo-o contra o chão. Olhando agora
para o alto, acima de todas as pessoas, começou a procurar por ele. Foi
encontra-lo sentado no mesmo banco onde estivera quando se conheceram,
lendo outro livro.
– Gostando do livro? – ela disse e sorriu radiante, da mesma forma que tinha feito no dia que se conheceram.
– Aham. – ele respondeu, fechando a obra no
mesmo instante e permanecendo fiel ao primeiro diálogo.
Rindo, Lis sentou-se ao
seu lado e puxou o livro do seu colo para ler o título: A Menina que Roubava Livros. “Definitivamente combina com ele”, pensou, e devolveu o exemplar ao dono no mesmo minuto, virando para o outro
lado para procurar algo na bolsa.
– Feliz aniversário! – ela virou e
entregou-lhe um pequeno pacote. Era verde, mesmo que gostasse mais de azul, ela quase nunca era fiel às coisas das quais gostava.
– Sério mesmo? Não precisava! Achei que você
nem iria lembrar. – ele admitiu, rindo.
– Que tipo de filha você acha que eu sou,
Senhor Previsão? – e fingiu estar chateada. Eles tinham praticamente a mesma
idade, mas já fazia um tempo desde que começaram a brincar de “pai e filha”.
– Do mesmo tipo do seu pai?
– HAHA, engraçadinho! Vai, abre logo!
E ele abriu, parando em
seguida para observar o conteúdo do pacote. Ficou ali por um tempo, observando,
talvez maravilhado. Até que riu, ou melhor, gargalhou. Gargalhou como nunca
antes havia feito, em alto e bom som e com lágrimas nos olhos. Parou de rir tão
subitamente quanto começara e disse:
– Obrigado.
Lis apenas sorriu.
Não havia em seu dicionário nenhuma palavra que se encaixasse naquele momento e duvidava que em qualquer outro pudesse existir uma, por isso optou pelo
silêncio, mais do que isso, pelo sorriso.
De dentro do pequeno
pacote verde, o rapaz retirou um chocolate e começou a comer. Eram caseiros,
mas não tinham um gosto ruim. Cada um tinha uma letra feita de chocolate branco
por cima, e se ele pusesse todos em cima de uma mesa e organizasse na ordem
correta encontraria a frase:
FELIZ
ANIVERSÁRIO, FELIPE.
EU
TE AMO.
E no fundo, bem no
fundo do pacote, havia um bilhete, escrito na frente e no verso. Sem muitas
palavras bonitas, mas com palavras do coração, assim como os chocolates.
°
A última frase °
Espero
que goste, foi feito para você.