quinta-feira, 28 de junho de 2012

Pequena


Hey garota, me disseram que você mudou. Isso é sério? Bem, se é verdade então fico feliz em saber. Ou não muito, talvez. É que você era feliz, sabe. Antes você era feliz. Vivia seus dias a sorrir pelo pátio e brincar com borboletas.
Ah... A felicidade... E as borboletas! Você as adorava, simplesmente isso. Elas voavam e coloriam o ar por onde passavam, mas sua vovó nunca te deixava pegá-las. “Faz mal”, ela dizia, e assim sendo você apenas as via voar.
Menina doce, menina. Sapeca e de ar gentil. Quantas vezes a vi saltitar pelo jardim e brincar de cheirar flores malcheirosas, você nunca se assustava com elas, essas flores. Achava-as bonitinhas, era o que dizia. Mas no final, ninguém gosta de flores com cheiro ruim – ou sem cheiro algum, o que é ainda pior –, e faziam-na largar a flor com uma tapa na mão. Mas sabe o que você fazia, pequena? Você sorria. Você sorria e todos se apaixonavam. Você sempre teve todos na mão e, ainda melhor, no coração. Todos gostavam da sua inocência de menina.
E então a menina cresceu e tornou-se mulher. A inocência de uma mulher não pode ser a mesma de uma criança. Muitos têm medo desta transição, muitos têm medo do que há de vir a seguir e da vida que Deus lhe reservou. Muitos; você não.
Ai menina, minha menina. Você apenas seguiu adiante. Toda sorrisos e alegrias, como se a infância ainda estivesse em frente. E, de fato, parecia que para você estava. A sua vida era uma aventura de criança, sua avó dizia enquanto tricotava, e eu ali – ao seu lado – apenas ouvindo-a falar encanto e enquanto sua netinha crescia como no luar da canção (aquela que sempre fala do sertão), a perseguir borboletas e tocar coração.
Outro dia estava eu em casa, quando me soou a campainha. Era você, minha pequena, que veio visitar. Leu para mim uma história, uma história qualquer; com fadas, princesas e chapéus vermelhos, bem o seu tipo de história. Mas depois fiquei sabendo que não era essa história que minha pequena queria contar. Ah, pequenina... Ah! Se eu soubesse o que diria, nunca teria atendido a campainha. Mas eu não sabia e por isso, num ato leigamente comum na história da humanidade, eu apenas atendi. E as notícias não me foram boas.
Antes de revelar a tal da história, preciso dizer que nessa época você já não tinha mais seus cinco anos. Era na verdade uma mulher formada e prestes a entrar para... faculdade. Era o terror que me afligia. Você iria pra faculdade e, pela primeira vez, ficaria longe de mim.
É claro que eu sabia que esse dia chegaria. No entanto, parece que ele chegou cedo demais, não consigo entender. Passou tão rápido, esse danado do tempo! E pensar que eu já não poderia cuidar de você!
Porque dizem que há males que vêm para o bem, você voltou dois anos depois. Já tinha aparecido ocasionalmente para ver sua avó e talvez, se eu dessa sorte, ler para mim algum conto de fada antigo. Mas foram dois anos depois que você voltou de verdade. Para o enterro da sua vovó.
Foi um dia triste, é verdade. Mas você ficou comigo o dia todo, todo o dia. Já não tinha mais aquele sorriso, meu sorriso. E quando indaguei deu um sorriso torto e disse que passou por muita coisa – mas não pude não reparar que nem sinal do meu sorriso. E minha pequena? Então minha pequena se fora?
Você ficou bastante tempo comigo porque não tinha ninguém para me cuidar, e durante esse período observei as coisas que mudaram em você. Você tinha corpo, mas seus cabelos ruivos perderam um pouco da cor. Seus olhos azuis perderam um pouco do brilho, e seu modo de vestir já não me parecia radiante.
Não sabe quanto tempo eu fiquei assustado com a possibilidade de perder a minha pequena, minha criança, juro que não sabe. Certa tarde, porém, resolvi cuidar da minha vida, e não é que ela calhou de ser você?
Saí na rua e lhe comprei presentes. Lindas sapatilhas azuis, da cor dos seus olhos e um lindo vestido do mesmo tom. Sabia que ficariam lindos em você, e sabia que azul era sua cor favorita. Mas você apenas os pegou, agradeceu e colocou na mesa. Disse que ia fazer o jantar.
Sentei no meu canto, juro que tentei ficar quieto. Algo me incomodava, no fundo da minha alma. Então levantei da cadeira e fui até você. Segurei na sua mão, a mão da faca. E disse “hoje, eu faço o jantar”. E depois, eu acho que tinha algo nos meus olhos, porque você olhou neles e começou a chorar. Simplesmente isso, começou a chorar.
Você desabou no meu ombro por muito tempo, e eu simplesmente fiquei lá, te abraçando. Às vezes, você parava e tentava me olhar no rosto, mas não conseguia, desatava a chorar novamente. E lá ia eu te abraçar e te dar carinho. Você fez isso repetidas e repetidas vezes. De novo, de novo e de novo. E eu não me importei momento nenhum. Exceto uma hora. Isso mesmo, teve uma hora...
Você me olhou nos olhos, e eu olhei nos seus. Passei a mão no seu cabelo, tentando ajeitá-lo um pouco. E então você me abraçou mais forte, e eu disse Acabou, pequena.